100 anos de superação japonesa no Brasil

quinta-feira, 19 de junho de 2008


Foi em uma noite fria e de céu estrelado que o navio de origem russa Kasato Maru se aproximou do litoral de São Paulo. "Ao raiar do dia os senhores avistarão as montanhas do continente sul-americano", teria dito o comandante aos 781 japoneses que estavam a bordo.

Apreensivos, mas esperançosos em conquistar uma vida melhor com o trabalho nas fazendas cafeeiras do Estado, os primeiros imigrantes viram fogos e balões decorarem a paisagem. Acreditaram que seriam de boas-vindas, quando na verdade eles faziam parte das festas juninas. Mal imaginavam os passageiros japoneses que, após 52 dias de viagem, esta seria a primeira desilusão em terras brasileiras.

De acordo com o historiador Tomoo Handa em “O imigrante japonês”, o contrato de imigração subsidiada pelo governo previa o período necessário para uma colheita de café em fazendas do Brasil, cerca de um ano e meio. Os imigrantes estavam dispostos a pagar o preço de viver longe de casa e sob outra cultura em troca de um retorno financeiro que propiciasse melhor condição de vida em sua volta ao Japão.

Após cerca de 700 anos de reclusão, o arquipélago japonês havia cedido às pressões internacionais para sair de seu estado quase feudal e se modernizar. A era Meiji, iniciada em 1868 sob o comando do imperador Meiji Tenno, foi responsável pela atualização do Japão dentro dos moldes da revolução industrial. O país criou uma constituição, um parlamento, universidades e se militarizou.

Algumas décadas depois, os gastos com as forças armadas, uma reforma agrária que beneficiou a poucos e os altos impostos tinham deixado o país em uma situação delicada. O pequeno território se tornou insuficiente para alimentar e empregar a todos e a solução encontrada foi a de estimular a emigração.

Sonho de riqueza rápida

O governo vendia o sonho de riqueza rápida em outra terra, com retorno em poucos anos para o Japão. Após emigrações patrocinadas para a Austrália, Canadá e Estados Unidos, em 1895, o Japão assina o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com o Brasil e passa a recrutar os primeiros imigrantes.

Segundo relatam os historiadores Tetsuya Tajiri e José Yamashiro no livro “Uma Epopéia Moderna – 80 Anos de Imigração Japonesa no Brasil”, o incentivo vinha por meio de cartazes e propagandas enganosas. “No Brasil, existe uma árvore que dá ouro: o cafeeiro. É só colher com as mãos”, dizia um deles.

Porém, 20 anos depois de abolir a escravidão, os latifundiários daqui ainda não encaravam seus funcionários como seres humanos. Para eles, a vinda de imigrantes asiáticos deveria suprir o vácuo deixado pela liberdade dos negros e pela interrupção do processo de imigração de italianos, que vinham como mão de obra barata trabalhar por aqui. Ou seja, a prosperidade que foi vendida aos japoneses não condizia com a realidade que encontrariam no Brasil.

Ainda no porto de Kobe, de onde partiria o Kasato Maru, a decisão de encarar o desconhecido precisou ser repensada mais uma vez por algumas famílias. Os exames médicos, aos quais os passageiros eram submetidos antes de embarcar, detectavam doenças contagiosas que poderiam virar surto a bordo como cólera e tracoma, uma espécie de conjuntivite.

O diagnóstico positivo de algum mal separou diversas famílias que já estavam com malas prontas para a viagem e tinham vendido seus bens para encarar a aventura. Filhos tiveram que ficar com avós, mulheres foram deixadas para trás, irmãos se separavam. Mas tudo ocorria com a certeza do reencontro breve, o que raramente acontecia.

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