A ruptura do Pacto Social no Brasil

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Por vezes, nos enfronhamos no mato e, ao ver muitas árvores por perto, mal imaginamos o tamanho da floresta; em outras ocasiões olhamos uma floresta ao longe e mal vislumbramos seus meandros, suas pequenas ou grandes discrepâncias. Encontrar o distanciamento ideal é o maior desafio ao analista político.

Fato é que vivemos uma onda de crises dentro de crises no Brasil praticamente desde o segundo ano do governo Lula e é preciso um certo distanciamento para analisar com maior clareza. Até as palavras vêm sendo usadas e colocadas num nível de interpretação radicalmente diverso daquele inicialmente imaginado. “Discurso” resolve alguma coisa?

É possível, é mesmo desejável, analisarmos os fatos que se apresentam à opinião pública, mas a própria sobredeterminação de crises já permite encontrar alguma forma de concatenação de todos os acontecimentos.

Nesta semana, após a publicação de uma reportagem bombástica do ex-Secretário Geral do PT, Sílvio Pereira, no jornal “O Globo”, seguiu-se (mais um) não-depoimento à CPI dos Bingos durante o qual o ex-petista revelou não haver lido a entrevista que deu, nem se recordar do que falou à jornalista, contudo confirma a entrevista e informa que a jornalista não se equivocou em nada do que publicou (?!?!) Em outros tempos e circunstâncias teria recebido voz de prisão ali mesmo, por desacato à autoridade – muita gente já depôs nestas CPI’s, mas jamais antes alguém havia obtido tanto sucesso em fazer de otários e ridicularizar Senadores da República com tamanha desenvoltura e impunidade.

A única coisa que parece bem articulada no governo Lula é o discurso oficial em torno de questões envolvendo problemas criminais – palmas para o Ministro da Justiça, advogado criminalista, que deixa a sua marca.

Um ex-membro do “stablishment”, aparentemente fora de controle, concede uma entrevista em que fala parte das coisas que sabe num claro pedido de socorro. Coisa mafiosa mesmo, como bem apontou Clóvis Rossi: “façam algo por mim ou conto tudo o que sei. Não me abandonem.” Até que a articulação governista encontre um eixo para o trato mais apropriado a este fato novo, saltam das bocas que outrora ovacionavam o ex-Secretário Geral os mais atordoantes e desconcertantes insultos à sua figura, que variavam de “louco” e “idiota” até “deve estar com problemas mentais muito sérios”.

Imediatamente, na mesma semana em que não há notícias de rebeliões em presídios paulistas (alguém mais percebeu isto?) a Polícia Federal do Ministério da Justiça apreende vários funcionários do Ministério da Saúde envolvidos num novo escândalo chamado “das Sanguessugas”, envolvendo “170 parlamentares” – majoritariamente da base de sustentação do governo mas nenhum petista – que fraudavam licitações para compra de ambulâncias conquistadas através de emendas parlamentares pessoais.

O jogo político rasteiro está colocado e já se percebe o nível em que o Executivo o coloca. “Para esconder um escândalo meu, revelo um seu” e seria ingenuidade imaginar que a coisa pare por aí. O Fla x Flu do PT versus PSDB tem muitas jogadas emocionantes a apresentar em busca de que tudo mude para que tudo permaneça exatamente como está.



E o Pacto Social


Ministério da Justiça envolvido em quebra de sigilo e prática de ilegalidades as mais diversas. Ministro Presidente do Banco Central fraudando o Imposto de Renda. Ministério da Fazenda envolvido no esquema do “mensalão”. Ministério da Saúde sob suspeita no esquema das “sanguessugas”. Os números, malditos números que as estatísticas oficiais oferecem lesam gravemente o conceito de matemática como interpretação da realidade. Como é que poderíamos acreditar em assertivas “estatisticamente comprovadas” como “os preços estão caindo e os salários aumentando” se o nosso cotidiano apresenta precisamente o oposto disso? Por aí vai.

Parlamentares acuados salvando a pele uns dos outros. Uns renunciam, poucos são cassados, a maioria se livra lépida e fagueira, dançando feliz com a impunidade.

No Judiciário dois juízes supremos apresentam decisões políticas momentos antes de trocar o judiciário por campanhas eleitorais justamente nos pontos em que suas decisões (que deveriam haver sido imparciais) acabaram beneficiando precisamente a parte na qual ingressa...



Tudo dominado...


E agora? O Pacto Social está rompido no Brasil. Não há confiabilidade plena no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário. Falar em “impeachment” do presidente é bobagem: “com esse Congresso?”

Para além das eleições que virão após a Copa do Mundo, é fundamental que nos debrucemos sobre esta questão, gravíssima: “como recompor o Pacto Social no Brasil depois desta avalanche desagregadora que vem sendo o governo Lula?”

Como tempero apimentado à reflexão a constatação empírica da enorme lucratividade das grandes empresas privadas, particularmente aquelas dedicadas exclusivamente à especulação. Um exemplo – entre milhares: o governo Lula não aplica em um ano na saúde o que um único banco privado brasileiro lucra num único mês!

O Pacto social “já era” se é que algum dia foi ou esteve perto de ser. Mas somado a isto temos uma firmeza econômica de fazer inveja a países mais desenvolvidos. Em nenhum outro país do mundo hoje é possível lucrar tanto sem fazer nada – exceto o exercício mental de ver onde estão os maiores ganhos – como no Brasil de Lula.

Este é o preço que pagamos por nos deixarmos dominar pela lógica “dos mercados financeiros” e do grande capital especulativo internacional.



Texto de Lázaro Curvêlo Chaves
Fonte:culturabrasil

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