Collor de Mello, o dragão da maldade, contra o ‘Santo Guerreiro’

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Depois de quase trinta anos, finalmente os brasileiros puderam votar direto para presidente da República. A ditadura militar durou 25 anos. De 1964 até 1989 o povo em nada participou das decisões diretas do Executivo Nacional, por 25 anos completamente subserviente aos quartéis. Na primeira eleição, claro, as chances de se eleger um cidadão egresso do regime que vigorou e governou este país por tanto tempo era de fato concreta. As chances, contudo, de finalmente vermos as coisas modificadas na direção popular também eram concretas e, portanto, o entusiasmo popular era justificadamente formidável, com quase todo mundo querendo se informar, debater e votar com inteligência.

As primeiras pesquisas de 1989 apontavam a liderança das candidaturas de Brizola (PDT) e de Lula (PT). Teria o Brasil um presidente de esquerda? Os grandes empresários roíam as unhas: quem será nosso candidato?

Os jovens talvez tivessem a resposta. Pela primeira vez, o pessoal a partir de 16 anos poderia votar. Uma juventude que vinha sendo reprimida e moldada. Consumismo, individualismo egoísta, futilidade, esses eram os valores que choviam sobre a cabeça da moçada. Geração Coca-Cola. Nos anos 80, da Era Reagan, o herói era o pouco-cérebro-muitos-músculos do cinema americano: Rambo (Silvester Stallone). O guerrilheiro tinha deixado de ser ídolo. O pôster de Che Guevara foi para a lata de lixo. Agora, o ideal era o yuppie, o rapaz que abandonou a contestação e que se realiza existencialmente ganhando muito dinheiro na Bolsa de Valores e consumindo feito um mauricinho. Academia de ginástica, shopping, computador, amar a si mesmo. A TV Globo se tornava uma Bíblia. Como seriam então os anos 90? Muito diferentes?

Foi quando apareceu o Caçador de Marajás. Fernando Collor de Mello. Veio quase como que do nada e, de repente, as pesquisas o apontavam como o favorito para vencer as eleições presidenciais de 1989. Como será que ele conseguiu isso?

Collor nasceu em família tradicional de políticos. Seu avô, Lindolpho Collor, tinha sido ministro de Getúlio: Seu pai, o senador Arnon Mello (UDN), ficou conhecido por ter assassinado a tiros um colega durante uma sessão do Congresso. Deve ter sido assim que o filho aprendeu a fazer política de impacto. Logo depois que se casou pela primeira vez, com uma milionária, Fernandinho ganhou de presente dos militares a prefeitura da cidade “estratégica” de Maceió. Isso mesmo, uma prefeitura de presente de casamento. Claro que ele não tinha sido eleito. Era o tempo da ditadura e os prefeitos de capitais eram escolhidos. Bastava ser homem de confiança do regime militar. E Collor foi de confiança. No Colégio Eleitoral, mostrou ser um fiel deputado do PDS, votando em Paulo Maluf contra Tancredo Neves. Aí os tempos mudaram. Sarney saiu do PDS e foi para o PMDB. Tancredo foi para o beleléu e Sarney ganhou a presidência de graça. Collor aproveitou para mostrar suas habilidades atléticas na modalidade esportiva “salto para onde estiver bom”: foi para o PMDB, se derramou em elogios à Nova República e só faltou dar um beijinho na boca de Sarney. Aproveitando o entusiasmo pelo Plano Cruzado, Collor foi eleito governador de Alagoas. Naquela época começou a sonhar com a presidência. Bolou um excelente esquema publicitário: perseguir funcionários públicos com altos salários, os chamados marajás. Os jornais do país não poupavam elogios ao jovem governador que “combatia a corrupção”. Nem todas as reportagens, porém, mostravam que por trás daquele carnaval, Collor distribuía cargos públicos para parentes de sua nova mulher (Rosane) e perdoava as dívidas dos usineiros de açúcar com o governo do Estado.

A política eleitoral partidária é, via de regra, um completo absurdo. Collor foi mais um exemplo. O homem que tinha sido malufista e do PDS arrebatou o país com a imagem de que era novo na vida política nacional. Um esquema publicitário caríssimo tratava de divulgar a idéia de que Collor era o único candidato que “não tinha rabo preso”. As grandes redes de televisão adoraram seu discurso demagógico e passaram a dar cada vez mais espaço. Grana, poder e cara-de-pau, eis a receita para o sucesso collorido. Seu partido, o PRN (Partido de Reconstrução Nacional), arrebanhava antigas figuras do regime militar, vindas do PDS e do PFL. Muitos deles notórios envolvidos em falcatruas e maracutaias. Assim, o marajá, milionário dono de duas empresas de televisão, conquistava o coração dos pobres dizendo-se o único político capaz de ajudá-los. De sarneísta no tempo do Plano Cruzado, passou a atacar o Sarney quando percebeu que este era um excelente caminho para a popularidade.

O vencedor disparado do primeiro turno das eleições presidenciais de 1989 foi Fernando Collor. Ele representava a materialização dos novos valores: jovem, empresário, moto, esportes, ascensão vertiginosa, beleza, televisão, consumo, autoconfiança.

A emoção ficou por conta da disputa do segundo lugar, para ver quem iria brigar com Collor no segundo turno - Lula ou Brizola? (Mário Covas, do PSDB, ficou em quarto lugar.)

Leonel Brizola (PDT) teve resultados excepcionais no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, estados onde tinha sido governador. Sua campanha era centrada nos princípios nacionalistas e reformistas, ao estilo do velho PTB do começo dos anos 60, e temperada com a social-democracia européia, na qual Brizola tinha vários amigos. Atacava as multinacionais e os banqueiros estrangeiros, acusando-os de sugar a economia brasileira, como se fossem um monstruoso pernilongo. Para Brizola, as “perdas internacionais” seriam a origem de todos os problemas brasileiros. O problema é que além do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, o PDT tinha poucos votos.

O PT, partido do LULA já estava organizado em quase todo o país. Em 1988, já tinha mostrado sua força, elegendo prefeitos em diversas cidades importantes do país. Sua grande força são os militantes do PT, geralmente estudantes e sindicalistas, que trabalham de graça, só por idealismo. Isso não é propaganda, é um fato que os adversários do PT reconhecem. O PT também contava com o apoio de católicos leigos e de padres progressistas ligados à Teologia da Libertação, uma espécie de socialismo cristão. Os petistas conseguiram muitos votos graças ao trabalho da Igreja nas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). O socialismo não era mais visto como uma coisa do diabo. Resultado: Lula venceu Brizola por uma leve vantagem.

No segundo turno, Brizola falou em “engolir o sapo barbudo” e apoiou Lula com sinceridade, transferindo muitos votos para o candidato petista. Além do PSB e do PC do B, Lula tinha agora o apoio do PCB de Roberto Freire e até dos tucanos do PSDB, apesar de esses últimos terem ficado meio em cima do muro.

Então, o inesperado aconteceu. Lula começou a subir nas pesquisas e a encostar em Collor. Veio o primeiro debate. (Collor, antidemocrático, ainda não tinha ido a nenhum.) Para muitas pessoas, Collor, que fez faculdade, venceria facilmente Lula, o torneiro mecânico. Mas o contrário aconteceu. Lula mostrou que valia a experiência de anos de assembléias sindicais. Entre os peões, todo mundo igual, só prevalece a idéia de quem tem cérebro e sabe argumentar. Foi nessa excelente escola que Lula tinha aprendido a debater. Irônico, ágil nas respostas, mostrando conhecer mais dados econômicos do que o adversário, surpreendeu o país no debate apresentado pelas tevês. Collor foi trucidado. E, nas semanas seguintes, Lula empatava nas pesquisas. A esquerda brasileira estava a um passo do poder.

A assessoria de Collor preparou o troco. No horário eleitoral, apresentava vídeos com uma tecnologia caríssima, impossível nos programas do adversário. Até uma ex-namorada de Lula foi convocada para falar mal dele. Espalhavam o boato de que a vitória do PT significaria “a ignorância no poder”. Os erros de gramática de Lula, bem maiores do que os de Collor, apavoravam a classe média. O apoio de tantos intelectuais a Lula era visto como uma excentricidade da esquerda.

No segundo debate entre os candidatos, Collor foi bastante agressivo, valendo-se de um candidato cansado (tinha feito vários comícios no mesmo dia) e talvez confiante demais. Nesse enfrenta mento decisivo, Collor, homem rico, dizia que não tinha dinheiro “para comprar uma aparelhagem de som igual à de Lula”. Ridículo, mas eficaz. Lula, tolamente, perdeu-se em ficar criticando a má atuação de Collor como governador em Alagoas: será que tinha confundido a eleição para a qual era candidato? Na mesma época, alguns jornais deram a entender que militantes do PT faziam parte de quadrilhas de seqüestradores. Apesar do conteúdo falso das insinuações, muita gente ficou assustada. O velho anticomunismo troglodita foi acionado e espalhou-se o boato absurdo de que Lula seria defensor dos regimes comunistas do Leste europeu e que, se ele ganhasse as eleições, o país viraria um caos, com os empresários parando de investir e fugindo para Miami. Bem, era difícil negar que uma vitória de Lula provocaria uma comoção no meio empresarial. O próprio PT também não tinha sido muito claro a respeito de seu programa de governo. No fundo, a população temia a instabilidade. E estaria completamente equivocada em seus receios?

O vale-tudo para eleger Collor contava com a colaboração da poderosa Rede Globo, ou melhor, a "Rede Gllobo". No Jornal Nacional, noticiário noturno, a TV Globo manipulou as imagens do debate: só aparecia Collor dizendo coisas inteligentes e Lula dizendo bobagens. Como se fosse o confronto entre o gênio e santo com o jumento encapetado. Resultado: Collor venceu as eleições. Vitória apertada, mas que aliviou as classes dominantes. As elites podiam comemorar, com champanhe e caviar, e o povo mais humilde, com pão e água.




Fonte:www.culturabrasil.pro.br

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