Collor de Mello e o neoliberalismo

terça-feira, 12 de agosto de 2008





Durante toda a campanha, Collor acusou Lula de querer confiscar o dinheiro das cadernetas de poupança. Pois assim que assumiu a presidência, ordenou que o dinheiro das poupanças fosse bloqueado. Ninguém poderia sacar além de uma certa quantia e o governo só devolveria o dinheiro depois de um ano, em prestações.

A ministra Zélia Cardoso de Mello comandava as mudanças econômicas. Ela acabou com o cruzado e fez a moeda voltar a ser o cruzeiro; os preços foram congelados, embora os aluguéis, as mensalidades escolares e a tarifas elétricas continuassem sendo reajustados; foram extintos o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e o IBC (Instituto Brasileiro do Café), tidos como empresas estatais que só serviam para atrapalhar agricultura.

O projeto econômico do governo Collor era apoiado no neoliberalismo. Segundo Fernandinho e Zélia, este seria o caminho para o país ingressar no Primeiro Mundo. Vamos entender como é que o neoliberalismo apareceu no mundo?

O capitalismo vivia uma profunda transformação desde a crise internacional de 1973. Em primeiro lugar, as empresas multinacionais passaram a ser responsáveis pela maior parte do volume de produção e comércio do mundo. O que significa que os investimentos no estrangeiro eram cada vez maiores e a economia se tornava globalizada: um produto poderia ser feito com peças vindas, por exemplo, do México, Sri Lanka, Japão e Itália, para ser vendido em todos esses países.

Em segundo lugar, o volume de capital gerado pelas empresas particulares superou o que estava nas mãos do Estado, o que certamente revelava a inferioridade econômica do governo diante dos grandes monopólios e incentivava a privatização de empresas estatais.

Em terceiro lugar, a concorrência entre a Europa ocidental, os EUA e o Japão exigiu um aumento de eficácia na produção e uma busca frenética por novos mercados. Em resposta a essas exigências, aconteceu a afirmação dos setores de serviços de alta tecnologia (informática, tele comunicações, robótica, engenharia genética, química fina) e a reestruturação das empresas (técnicas administrativas de reengenharia cortando o número de empregados, controle de qualidade, computadores e robôs substituindo mão-de-obra, terceirização, isto é, empresas que encerram determinadas sessões e passam a contratar outras empresas para fazer aquele serviço).

Desde a crise de 1929 que o Estado capitalista se intrometia fortemente sobre a economia. Receitas do economista J. M. Keynes para estimular o crescimento e evitar os desarranjos do mercado. Depois da Segunda Guerra, o keynesianismo levou ao Welfare State, o Estado do bem-estar. Mas a crise de 1973 e as mudanças que nós relatamos acima, deram voz a economistas como Milton Friedman e Friedrich Hayek, que atacavam violentamente as idéias keynesianas. Assim, nos anos 80, Keynes saiu da moda e os países desenvolvidos começaram a seguir o neoliberalismo. Os primeiros “heróis” neoliberais foram o presidente Ronald Reagan (EUA) e a primeira-ministra Margareth Thatcher (Inglaterra), verdadeira heroína de Collor (o que ela fazia o deixava muito doidão). Quase todo o mundo desenvolvido seguiu suas receitas, menos o Japão.

A idéia básica do neoliberalismo é a de que, se os homens tiverem total liberdade para investir e lucrar, chegarão a um desenvolvimento do mercado capitalista que beneficiará a toda sociedade. Vamos ver como:



1. Os neoliberais acham que o Estado não deve se intrometer sobre a economia. Por isso defendem a privatização, ou seja, as empresas e bancos estatais seriam todos vendidos para as empresas particulares. Num segundo passo, seriam privatizados os hospitais públicos, a assistência social (aposentadoria e planos médicos seriam feitos por empresas privadas especializadas, que receberiam mensalidades das pessoas interessadas) e as universidades do governo.



2. Os impostos cobrados sobre os ricos devem ser menores. Aumentariam as diferenças sociais mas, em compensação, argumentam os neoliberais, sobraria mais dinheiro para os ricos investirem na economia, resultando, a médio prazo, em mais empregos e melhores salários.



3. As duas medidas anteriores se ligam ao corte nos gastos públicos. Nem investimentos em empresas estatais nem gastos sociais.



4. Desregulamentação da economia. Facilidades absolutas para o vale-tudo capitalista. Isso inclui abertura para as importações (baixas taxas alfandegárias) e o fim do controle do governo sobre as operações financeiras. No mundo inteiro estão se formando livres mercados, como o da União Européia, o Nafta (Canadá, EUA, México), o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai) e as ligações entre o Japão e os Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Hong Kong, Formosa).



5. Facilidade para contratar e demitir mão-de-obra, tornando as empresas mais ágeis. Isso significa abolir leis de proteção trabalhista. Os sindicatos podem protestar. Neste caso, um dos objetivos do neoliberalismo é destruir o poder dos sindicatos operários.



6. Estímulos para os investimentos de capital estrangeiro. A economia do planeta está se tornando multinacional.



Os neoliberais defendem um regime político liberal, ou seja, com eleições decentes, liberdade de imprensa, pluripartidarismo. Acontece que neoliberalismo econômico não é a mesma coisa que liberdade política. Foi o caso do Chile, que já nos anos 80 aplicava as receitas neoliberais, mas dentro de uma das piores ditaduras militares que o continente já conheceu (a do general Pinochet).

Sem dúvida alguma, Collor foi o primeiro e é o principal responsável por “rolado a bola” do neoliberalismo em nosso país. Foi ele quem combateu leis nacionalistas que controlavam os negócios das empresas estrangeiras no Brasil e quem iniciou um programa consistente de venda das empresas estatais. Ao se recusar a pagar aposentadorias melhores, Collor também mostrava seu empenho em adotar a idéia neoliberal de cortar brutalmente os gastos do governo com programas sociais. Tudo isso, dizia ele, faria o Brasil entrar no Primeiro Mundo.

Enquanto o país esperava para entrar no Primeiro Mundo, Collor tratou ele mesmo de ir para lá fazer umas comprinhas no seu estilo de consumidor yuppie: gravatas Hermès, uísque Logan 12 anos, malas Louis Vuitton. O governo mandou liberar as importações, abaixando as tarifas alfandegárias: foi a partir de Collor que o país foi invadido pelos produtos estrangeiros, de eletrodomésticos a queijos franceses, de quinquilharias coreanas a vinhos alemães. Os automóveis nacionais foram xingados de “carroças” e esperava-se que a abertura para os importados criasse concorrência, o que forçaria as multinacionais do Brasil a melhorar a qualidade de seus produtos. Havia um fundo de verdade nisso tudo. Além do mais, puxa, graças a Collor, qualquer favelado já tinha o direito de comprar automóveis Mercedes Benz, telefone celular e gel para passar no cabelo.

O presidente era um Indiana Jones tupiniquim. Adorava a imagem de esportista, de atleta que tudo pode. Parecia que todos os problemas seriam facilmente resolvidos porque o homem do Planalto possuía a sutileza de um lutador de caratê e a inteligência de um fanático por jet-ski. O segredo para disparar a economia era o mesmo usado para acelerar uma moto Kawasaki 1000. Enquanto isso, o povo competindo na raia, na modalidade “disputa por uma migalha de comida”.



Da cozinha para a cama


Quando Zélia pegou “emprestado” o dinheiro das poupanças, ela tinha em mente duas coisas. Primeiramente, o governo estaria com dinheiro em caixa, não precisando emitir papel-moeda para cobrir seus gastos. Depois, as pessoas, sem a grana da poupança, deixariam de comprar. Como as vendas cairiam, a tendência seria a queda dos preços. As duas coisas ajudariam a abaixar a inflação.

Acontece que deu tudo errado. Caindo as vendas, claro, os empresários trataram de diminuir a produção. Com isso, as pessoas eram despedidas. Recessão e desemprego. Então, valia o velho esquema brasileiro para lucrar, na base do aumento frenético dos preços. O Brasil mergulhava em uma das piores crises econômicas de sua história. A inflação ultrapassou os 20% mensais e a recessão (diminuição das atividades econômicas) fez o país regredir. A Associação Brasileira de Supermercados constatou a diminuição de 15% no consumo de arroz e feijão: trocando em miúdos, o povo comia menos. Nas grandes cidades, milhares de maltrapilhos, vítimas do desemprego, passaram a morar nas caladas. No Brasil de Collor, com o salário mínimo mais baixo do que o do Paraguai, morar em barraco passou a ser sonho de consumo.

A inabilidade em negociar a dívida externa com os banqueiros internacionais abalou o cargo da ministra da economia. A gota d’água foi o namoro de Zélia com o ministro da Justiça, o sr. Bernardo Cabral. É óbvio que uma mulher tem o direito de transar com quem ela tiver vontade. Zélia não era pior ministra porque se tornou amante de um espertinho casado. Aliás, a vida íntima deles nunca foi de nossa conta. Mas a imagem moralista do governo Collor ficou arranhada: foi ele que se incomodou com isso tudo, não o povo, que apenas se divertia com as revelações picantes.

Zélia acabou sendo demitida. No seu lugar, assumiu o embaixador Marcílio Marques Moreira. Diplomata de carreira, renegociou a dívida externa, ganhando elogio dos americanos. É como a raposa que aplaude o bom comportamento das galinhas. Enquanto isso, a economia brasileira ia caindo do poleiro.

4 comentários:

naruto disse...

bah muito massa,sou estudante do 3° ano do ensino medio e gostei muito,tem uma linguagem muito acessiva. valleeeeuuu

Anônimo disse...

muito bom! de 200 textos que eu lê este sem dúvida foi o melhor.

Anônimo disse...

Muito bom,depois de horas pesquisando sobre, o único texto repleto de informações úteis!

Clara N. Alvaréz disse...

Muito bom! Parabéns!

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